Moradores pedem fechamento de cadeia e fim de estigma ‘cidade presídio’ na Grande BH

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O primeiro presídio de Minas Gerais foi construído em 1927, em uma área rural chamada Fazenda das Neves. O local escolhido para a obra era tão isolado que os próprios operários construíram não só a estrada de acesso, mas também casas ao redor da cadeia para morarem durante a construção. Passados 98 anos, o que um dia foi conhecido como penitenciária agrícola hoje é a unidade José Maria Alkimin (PJMA): 925 hectares que abrigam mais de mil presos no centro de Ribeirão das Neves — a oitava cidade mais populosa do Estado, com 329.794 habitantes. Ao município que cresceu em torno da cadeia, ficou o estigma de “cidade-presídio”; aos moradores, a sensação de insegurança. Mas um movimento dos nevenses quer mudar essa realidade, propondo o fechamento da histórica cadeia, tombada como patrimônio natural, arquitetônico e cultural de Neves, nos próximos anos. Para isso, seria necessário resolver o impasse sobre a transferência dos detentos e dos servidores.

Mais de 2.251 pessoas já demonstraram apoio ao abaixo-assinado que pede a desativação do PJMA. O projeto, liderado por moradores, propõe que o governo do Estado interrompa o envio de presos para a unidade, até que ela seja completamente esvaziada, à medida que os detentos forem cumprindo suas penas. No espaço, sugere-se a instalação de um campus da Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG), além de um museu voltado à memória do presídio e ao crescimento de Ribeirão das Neves. Apesar de ter sido acolhida pelas comissões de Direitos Humanos e de Segurança Pública da Assembleia Legislativa, por representantes da UEMG e por entidades da sociedade civil, a viabilidade da proposta do #DesativaPJMA esbarra no déficit de 25 mil vagas no sistema prisional mineiro — principal argumento do Governo do Estado para rejeitar a iniciativa.

“Esse presídio gera muita insegurança para os moradores e para a população que vive no entorno. A cidade tem registrado casos de violência ligados ao crime organizado. Grandes facções cometem assassinatos na saída ou entrada dos presos do semiaberto. Atiram ali mesmo, bem no centro da cidade”, denuncia a coordenadora do movimento, Rosely Carlos Augusto, integrante do Centro de Estudo, Pesquisa e Intervenção de Ribeirão das Neves. De fato, em audiência pública realizada na ALMG no fim de março, o delegado Fábio Moraes Werneck Neto, da 3ª Delegacia Regional de Ribeirão das Neves, informou que, desde 2020, nove homicídios foram registrados nas imediações da unidade, durante a entrada ou saída de detentos do regime semiaberto — cinco deles (55%) somente em 2024.

Em novembro do ano passado, quatro presos do semiaberto sofreram uma emboscada de uma facção rival pouco depois de deixarem a PJMA, ao acessarem a LMG-806 — rodovia que liga o centro de Ribeirão das Neves à BR-040. O carro em que estavam foi alvo de um ataque a tiros, que matou dois deles e deixou um ferido. Os ativistas do movimento também citam um tiroteio ocorrido em frente à sede do Legislativo municipal, no mesmo ano. “Hoje, esse presídio já não faz mais sentido. O cenário ao redor dele mudou. Não somos mais uma população agrícola. O que queremos é uma comunidade educacional, um espaço de cultura, no coração da cidade. Isso pode se tornar um legado para as próximas gerações”, propõe Rosely.

“Cidade-presídio?” Ribeirão das Neves tem 13% dos presos do Estado 

Uma em cada sete vagas no sistema prisional de Minas Gerais está em Ribeirão das Neves. De acordo com a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp), as 169 unidades prisionais mineiras somam 41.016 vagas, das quais 5.479 estão em Neves — o equivalente a 13% do total. O município abriga cinco unidades prisionais (entre presídios, penitenciárias e um centro de apoio médico e pericial), além de um complexo penal de parceria público-privada (PPP) com três instalações. Só o Presídio José Maria Alkimin (PJMA), alvo do projeto de desativação, tem capacidade para 1.070 detentos — cerca de 20% da estrutura disponível na cidade. 

O encaminhamento massivo de detentos para Ribeirão das Neves contribuiu para o estigma de “cidade presídio”. Algo que, na avaliação do prefeito Túlio Raposo (PP), prejudica o desenvolvimento econômico e cultural do município. “Esse rótulo muito nos incomoda e não é justo. Essa violência envolvendo os presos dificilmente tem alguma ligação com a cidade. São conflitos importados para perto dos presídios. Em vez de sermos uma cidade de destinação de detentos, podemos e queremos fazer diferente, e temos exemplos de sucesso”, afirma. 

Raposo cita Viçosa, que se tornou um polo da ciência a partir da universidade federal, e Ouro Preto, que se destaca pelo centro histórico tombado como Monumento Nacional. As propostas se assemelham às do projeto #DesativaPJMA: abrigar um campus universitário e um museu.

Sobre os desafios para a mudança de perfil de Ribeirão das Neves, o prefeito admite que não se trata de um processo simples. “São cerca de 1.300 detentos na PJMA. Essa transformação exigiria uma desocupação bem planejada e gradual do presídio. Mas não é algo impossível. E é urgente. Hoje, jamais se construiria uma penitenciária no coração de um centro urbano. Ribeirão das Neves tem quase 400 mil habitantes, e isso já se tornou uma barreira ao desenvolvimento. A cidade é um organismo vivo. E daqui a alguns anos, quando tivermos 500 mil, 700 mil habitantes?”, questiona.

Governo de Minas diz que proposta é “completamente inviável” e cita déficit de 25 mil vagas

Para o secretário de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, Rogério Greco, o projeto que propõe fechar o presídio é inviável diante do déficit de cerca de 25 mil vagas no sistema prisional mineiro. O dado, apresentado por ele durante entrevista ao podcast Café com Política, de O TEMPO, indica um crescimento com relação à estatística da própria pasta, de que seriam 65 mil presos no Estado e 41.016 vagas disponíveis. A superlotação também afeta Ribeirão das Neves. No PJMA, segundo o prefeito Túlio Raposo, há mais de 1.300 detentos, embora a capacidade da unidade seja de 1.070.

“Infelizmente, não é viável — completamente inviável. A gente tem, por exemplo, o Ceresp da Gameleira, que fica na Gameleira, e isso não aumentou em absolutamente nada o índice de criminalidade ao redor do Ceresp. Então, esse argumento — me perdoem — é falho”, afirmou, ao comentar as denúncias de violência no entorno do José Maria Alkimin. “Hoje, nós temos uma penitenciária com cerca de duas mil vagas. E o que somos chamados a explicar o tempo inteiro, é justamente a falta de vagas. Ou seja, temos um déficit de 25 mil vagas. Eu vou fechar uma penitenciária com duas mil vagas?”, pontuou. 

Greco avalia que o fechamento da PJMA seria possível apenas com uma proposta que garanta a construção de uma nova unidade por meio de verbas parlamentares, mas opina que a mudança, por si só, não seria suficiente para o fim do estigma de “cidade-presídio”.  

“Fechar simplesmente por fechar, porque é uma penitenciária que estaria fazendo com que a cidade seja conhecida como uma “cidade-presídio”? Olha, nós já temos muitos, muitos presídios em Ribeirão das Neves. Então, não vai ser o fechamento de uma unidade que vai acabar com esse — vamos dizer assim — esse “adjetivo” de cidade-presídio. Essa questão está completamente fora de cogitação para a gente”, disse. 

Segurança no entorno depende de boa administração, avalia especialista  

O especialista em segurança pública Arnaldo Conde avalia que a segurança do entorno da Penitenciária José Maria Alkimin (PJMA) depende de uma boa administração do presídio, com regras claras e cumprimento de regras previstas na lei de execução penal. “Ninguém gosta de penitenciária e nem de cemitério perto de casa. Falar que vai trazer insegurança depende da administração da penitenciária. A lei brasileira para os apenados é uma maravilha, só que não funciona. Se tem uma boa gestão, não tem motivo para insegurança. Não vai ter protesto de parentes. Se tem uma boa gestão não tem motivo para isso. A insegurança se torna psicológica”, pontua. 

O especialista pondera que fechar a unidade pode acarretar em outros problemas, como a ampliação do déficit de vagas. “O resumo dessas histórias é resolver um problema e criar outro. Vamos tirar e trocar preso para estudante, mas vai colocar eles (detentos) onde? Isso precisa ser debatido com muita antecedência porque nosso parque prisional é deficitário. Falta política e organização. Falta treinamentos mais tecnológicos, técnicos e profissionais para os policiais e penais. Falta o cumprimento de políticas de segurança”, finaliza.  

Sejusp afirma investir em melhorias no sistema prisional 

Conforme a Sejusp, foi iniciada a entrega de cerca de 2.700 vagas em presídios e penitenciárias de todo o Estado “para garantir melhores condições de custódia e ressocialização e enfrentar a demanda histórica por vagas no sistema prisional”. “Há obras de novas unidades sendo erguidas, construções que estavam paralisadas há anos que estão sendo, enfim, finalizadas, além de ampliações de unidades importantes entregues”, afirma. 

Nesse mês de março, foi entregue o novo Presídio de Iturama, com 388 vagas. Em julho de 2024, o novo Presídio de Ubá, com 388 vagas, foi concluído, assim como a área de segurança e carceragem do Centro de Remanejamento do Sistema Prisional (Ceresp) de Juiz de Fora. Esse último teve a capacidade ampliada em 57%, com 191 novas vagas. Também em julho do ano passado, o Ceresp Ipatinga foi reinaugurado depois de longa reforma, resultando em 282 novas vagas. 

“Além disso, a reforma da área carcerária do Ceresp Gameleira, em Belo Horizonte, foi finalizada em julho de 2024. Após quase dois anos de obras, o local passou das 412 vagas iniciais para 798, ou seja, um acréscimo de 386 vagas, o que representa 93,69% de ampliação. Já os presídios de Itaúna (306 vagas) e Frutal (388) estão com obras avançadas – todas com mais de 74% de execução. Lavras e Poços de Caldas completam as entregas em 2026, com 600 vagas cada uma. Além disso, há inúmeras parcerias com prefeituras e com o Poder Judiciário que possibilitam reformas que permitem a ampliação de vagas e a melhoria estrutural de diversas unidades de pequeno e médio porte por todo o Estado”. A reportagem também questionou a UEMG sobre a proposta, mas não obteve retorno. 

Fonte: O Tempo