Familiares de detentos LGBTQIAPN+ denunciam que detentos héteros estão assinando o atestado de gênero para serem transferidos para “alas Gays” para fugirem da superlotação

Indivíduos privados de liberdade que se declararam LGBTQIAPN+ denunciaram, que detentos héteros estão se declarando do gênero LGBTQIAPN+ para serem transferidos para alas destinadas ao público Gay. Segundo representantes de familiares dos presos, isso vem ocorrendo em todo estado de Minas Gerais. Presos que se veem em perigo em outros presídios, muitas vezes ameaçados por outros detentos, acabam assinando o atestado de gênero para fugir da violência, contudo são héteros, e, ao serem alojados nas “alas Gays”, praticam violências físicas e sexuais em desfavor dos detentos que realmente são do gênero LGBTQIAPN+ . 

A transferência para unidades ou alas específicas para pessoas LGBTQIAPN+ no sistema prisional acontece mediante formalização da autodeclaração e manifestação de expressa vontade. Segundo o governo de Minas, todos os pedidos são avaliados para encaminhamento e não há fila de espera. No entanto, pessoas privadas de liberdade que realmente são desse gênero denunciaram que a maior parte dos presos transferidos para as “alas gays” são héterossexuais.

O espaço das pessoas LGBTQIAPN+  está sendo invadido por pessoas que estão fraudando a declaração de gênero”, revela Sandra Leah.

Representante das famílias dos indivíduos privados de liberdade

A situação também é confirmada por Isabela Corby, da Assessoria Popular Maria Felipa, que cobra o debate de novas regras para evitar fraudes. “É um enfrentamento necessário essa questão da autodeclaração da bisexualidade, mas ainda não temos resposta para essa encruzilhada. O governo precisa sentar na mesa e debater”, pontua. 

Situação é reflexo da falta de estrutura

Para a antropóloga e pesquisadora do Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp) da UFMG, Vanessa Sander, as irregularidades denunciadas pela população são reflexo de uma série de constantes violações de direitos básicos e falta de estrutura em todo o sistema penitenciário. “A ala para pessoas LGBTQIAPN+ foi criada para garantir direitos. Mas, ao longo dos anos, se tornou uma política em crise, isso porque cada vez mais presos começaram a se declarar LGBT para fugir da superlotação e conflitos em outras unidades”, afirma. 

A especialista explica que o problema também é reflexo de uma solução única adotada pelo Estado para tentar solucionar todas as falhas do sistema prisional. “Todas as questões geradas pela criminalização e encarceramento de populações específicas têm sido resolvidas com mais e mais prisão. A ala superlota e a solução é produzir mais prisão. A ala LGBT é um exemplo dessa política dramática”, avalia.

A pesquisadora avalia que é necessário repensar a política de encarceramento. “Na ala LGBT eu destaco a necessidade de pensar em medidas de descriminalização, a maior está presa por porte de quantidade pequena de droga. Tudo isso porque os impactos sociais que uma prisão tem na vida de uma pessoa torna urgente repensar a política de encarceramento em massa. É comum ouvir que as prisões são a faculdade do crime. A reincidência criminal tem a ver com isso, então é preciso pensar novas maneiras de penalizar que não seja encarceramento, políticas de atenção laboral e no fortalecimento da rede de saúde mental”, cobra. 

Projeto de Lei tenta viabilizar direitos 

A falta de espaços adequados às pessoas LGBTQIANP+ privadas de liberdade já virou tema de um Projeto de Lei Complementar. Levantamento feito pela Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen), entre 2022 e 2023, mostra que em todo o país 12.356 pessoas LGBTI – a Senappen usa a sigla que representa lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros e intersexuais – estavam encarceradas. 

Minas é o segundo Estado com mais pessoas LGBTI encarceradas, atrás apenas de São Paulo, que tem sob tutela 52,8% do total de presos LGBTI no país, cerca de 6,4 mil pessoas. Em terceiro lugar aparece o Rio de Janeiro (579), seguido por Pernambuco (562) e Espírito Santo (501). Conforme o Senappen, das 1.388 casas prisionais com celas físicas em todo o país, 80,4% (1.117) não possuem espaço especial para essa população. Com isso, muitos detentos acabam encarcerados em celas comuns ou distantes de casa – o que contraria um dos princípios da Lei de Execução Penal, a manutenção de vínculos familiares.

Para alterar essa realidade, o PL 150/2021 propõe alterar a lei que criou o Fundo Penitenciário Nacional para viabilizar a construção ou adaptação de alas prisionais em quantidades apropriadas, que atendam a essa população. De acordo com o projeto, será considerada a autodeclaração de gênero. 

O texto também propõe a capacitação continuada dos profissionais do sistema prisional e o condicionamento dos repasses de recursos aos estados e municípios conforme apresentação de relatório anual de atividades de combate à discriminação. O texto foi aprovado no Senado em maio deste ano, por 62 votos a favor e dois contrários, e encaminhado para a Câmara de Deputados onde está em análise.

O que diz a Sejusp?

Sobre as fraudes de autodeclaração de gênero, a Sejusp disse, em nota, que quando identificados, em observância ao princípio da autodeterminação, os casos são apurados administrativamente e esses custodiados são desligados dos espaços específicos. Ainda, quanto a supostos abusos por parte de custodiados, a pasta afirmou que quando identificados – seja pelos servidores, reportados pelo(a) custodiado(a) ou terceiros – são adotados os trâmites institucionais de apuração e responsabilização administrativa e criminal, quando for o caso.

Quanto a possíveis situações de “preconceito e violação do nome social”, a secretaria afirma que qualquer situação que extrapole os preceitos normalizados de conduta dos servidores que atuam na área são apurados quando devidamente registrados. 
 
A Sejusp destaca ainda que possui o Programa de Inclusão Social de Egressos do Sistema Prisional (PrEsp), que tem como objetivo principal propiciar o acesso a direitos e promover condições para a inclusão social de homens e mulheres egressos do sistema prisional. Para isso, busca identificar e intervir nas vulnerabilidades e riscos sociais que perpassam a trajetória de vida daqueles que tiveram sua liberdade privada. O Programa realiza um acompanhamento qualificado do público atendido, possibilitando o acesso a direitos sociais e aos direitos assegurados na Lei de Execução Penal, para contribuir, a partir disso, para a diminuição da reincidência criminal.

Com informações do jornal O Tempo