“Prisão feita de ossos”: mulher praticamente não se move há 3 décadas
Por conta de uma doença que transforma a musculatura em ossos, a dona de casa Martinha Brito, 45 anos, está há 29 anos sem se sentar e precisa de camas especiais para conseguir dormir.
“A doença me transforma em uma estátua-viva. Me sinto presa em meu próprio corpo, em uma prisão feita de ossos”, afirma a moradora de Viçosa, no Ceará
Martinha tem a fibrodisplasia ossificante progressiva (FOP), uma doença rara que leva à formação de ossos no interior do tecido muscular e que restringe a capacidade de movimentação.
Como é a doença que transformou Martinha em uma estátua-viva?
A FOP é uma doença hereditária, que se desenvolve desde o embrião. O problema atinge aproximadamente um indivíduo a cada 2 milhões de nascidos vivos. A ONG FOP Brasil estima que 130 pessoas no país possuem essa condição, entre elas Martinha.
O diagnóstico da FOP é feito por avaliação clínica. As radiografias simples já mostram anormalidades no dedão do pé, confirmando a ossificação fora do normal. Testes genéticos confirmatórios também podem ser solicitados.
“Em 98% das pessoas com FOP, o pé nasce com uma espécie de joanete. Se olharmos isso, já podemos ter um caminho para buscar controlar a doença”, explica a médica Patricia Delai, especialista na condição que atende em São Paulo (SP).
Como os ossos extras aparecem?
O corpo humano possui processos que inibem a formação de novos ossos depois do nascimento. O que há é o crescimento dos já existentes e a fusão deles. Em pessoas com FOP, por um anomalia genética, não há interrupção do processo.
“Ela ocasiona a formação de ossos dentro dos músculos e ligamentos que vão atravessando o corpo. Isso ocorre naturalmente, em um ritmo mais lento, mas pode ser muito acelerado por gatilhos específicos. Injeções intramusculares, batidas, golpes, podem levar à formação de ossos na região afetada. Até gripes e infecções podem aumentar a produção de ossos”, completa a especialista.
Com isso, os pacientes podem ter problemas respiratórios ou no funcionamento dos órgãos, conforme os novos ossos aparecem. O maior problema, porém, costuma ser na restrição de movimentos, quando a ossificação une partes do corpo que não deveriam ser ligadas. Além de muita dor, o paciente sente a presença de uma espécie de placa no corpo que paralisa a musculatura da região.
Uma vida de desafios
“Sou uma das pessoas com FOP que apresenta melhor mobilidade e, ainda assim, tenho uma série de movimentos restritos. Não me sento desde os 16 anos. Não posso ficar de pé, firme, tenho que estar sempre apoiada. Não tenho flexibilidade do joelho. Não levanto os braços e nem os abro. Não posso me abaixar. Não movimento o pescoço também”, lista Martinha.
Os problemas dela começaram aos seis anos, após receber uma vacina que inflamou a musculatura de seu braço e iniciou um processo de ossificação. Depois, a doença passou a operar em ciclos em que “apareciam” ossos em seu corpo.
“No primeiro momento, eu sinto um inchaço e uma vermelhidão na região que é afetada. Depois, a área desincha e sinto ali uma rigidez, que já é a formação de um novo osso”, conta a dona de casa.
Apesar dos sintomas, inicialmente, ela havia sido diagnosticada com outra doença, a distrofia muscular progressiva. Martinha só descobriu que tinha FOP aos 32 anos, quando acharam, após uma crise respiratória, ossos extras condizentes coma a doença rara no tórax dela.
Não há cura ou tratamento conhecido para a FOP. O cuidado deve ser para evitar gatilhos, como quedas, injeções ou procedimentos cirúrgicos, que podem levar à formação de novos ossos. Por isso, Martinha não pode fazer a retirada de um mioma de 10 centímetros que tem no útero ou fazer procedimentos para tratar varizes.
Não são só os cuidados, porém, que são desafiadores. Conviver com uma movimentação tão limitada levou Martinha a fazer uma série de adaptações em sua vida. Com o auxílio da tecnologia e das doações de pessoas que acompanham sua luta, ela comprou uma cadeira de rodas motora que permite que ela se movimente estando de pé. Ela também possui uma cama e um colchão especial que a permitem que ela se deite e se levante sem precisar de ajuda.
Recentemente, Martinha passou a a postar sua rotina on-line para conscientizar a população sobre como é a vida com FOP. “Naturalmente, acabei me tornando uma representante da condição on-line. Sinto que precisamos falar mais, divulgar mais. Se as pessoas não conhecem, elas estranham e tendem a rejeitar a gente”, indica.
“Já fui chamada de monstro, de fenômeno, de anomalia. Muita gente me fala coisas horríveis on-line, mas também há muita gente que se aproxima com o interesse de saber mais, de aprender. É bom poder ajudar”, conclui Martinha.
Fonte: Metrópoles